18 de abril de 2012

Saudade (Embriaguez)


SONETOS VIII

Aos que leem o que faço, pergunto a cada:
O que digo? Entendes o que lá pousa ?
Depois de pensares, se me falar ousas,
Não fales de amor: resposta errada.

Não fales de romantismo, nem de cousas
Faustas e brilhantes que não tem nada...
Previno- te que o que lá serenamente repousa
Está numa só palavra toda consumada.

Queres saber? Pegue quem mais amas,
E em certos vinte mil passos de distância
Deixe-a e voltes com pisadas mansas.

Espere dias e se de vê-la bater vontade,
Saberás que o que faço tem mais constância
Porque se chama, enfim...saudade.
                                     
                                           FRANCISCO BARROSO                                    



 

SONETOS IX

...falava das tenras horas que me vinha ao peito,
Dos amores que tantos homens inspiraram no mundo.
E indaguei minha amada em silêncio profundo:
‘‘Qual modelo de amor foi o mais perfeito?’’

Ela destacou d’uma pasta velha com jeito,
Um papel escrito a punho, de mim oriundo.
E declamou com beleza o poema vagabundo
Que não acreditei que eu o próprio tinha feito.

E ao olhar, surpreso, a data do poema vivido,
Era tão antigo, que me dei conta da verdade:
Ficou para traz o poeta, do homem que tenho sido...

Com voz calma e os olhos de um brilho fecundo,
Estendeu-me o papel e ela disse com tanta vontade:
‘‘ Este é o modelo de amor mais perfeito do mundo !’’

                                                   FRANCISCO BARROSO

SONETO X

O Azul, o Roxo, as cores que tu te agradas.
Aquele céu e o vento do primaz cortejo.
As anedotas que hoje nenhuma graça vejo
E teu sorriso mil vezes quando contadas...

O carinho em meigas e sutis palavras dadas,
O cálido e horrível primeiro beijo...
O matiz da íris que quando vejo,
Toda beleza está nela só compactada.

Dos cabelos raramente soltos, a claridade.
As mãos pequeninas, fechadas, um beijo a guardar...
Que deixo como panacéia para a saudade.

Saudade que sempre me enche o peito.
E faz lembrar- me das imagens (lembranças à adejar)
Como s’eu fosse esquecer do que é perfeito.

                                               FRANCISCO BARROSO
 
SONETO XI

Quando eu falar de saudade ignore o assunto.
Feche os olhos, negue- me os ouvidos, é seu direito.
Mas é certo que nos papéis, ela vai estar de qualquer jeito,
Nas páginas amareladas quando eu for defunto.

Porque a saudade quando não carrego, ela me carrega junto
Entre o beijo de estranha resposta com o tempo desfeito,
E ao dobrar dos dedos cheios de mim, pergunto
Se eram mais cheios do que eu mais levava no peito.

Saudade- memórias despertadas pelo silêncio agudo,
Adejos na luz infinda de um passado ledo,
Mas que deixa no presente uma alegre tristeza em tudo.

Saudade- reticências de viver sozinho ou mesmo unidos...
Quando eu falar dela, como falo desde cedo,
Se preciso for, neguem- me os olhos e os ouvidos. 

                                                    FRANCISCO BARROSO


SONETO XII


Falar de ti é tomar perplexidade
É ouvir a manhã ao olhar o céu imenso
E diluir a bruma na tépida claridade
É falar que ser feliz, só os amantes são propensos.

É contar pétalas...dizer com olhos tensos
As sutis palavras de amor que o peito invade.
É cantar o verso de vida que tanto penso
Quando, longe de ti, morro de saudade!

É afundar nas noites tranqüilas a própria vida,
É tremer lembrando a face da mulher querida,
E abrindo os olhos ver que se é tão sortudo.

É passar da noite para a madrugada acordado
E lembrar que o tempo não passa, ao lado
De quem se ama de verdade e mais que tudo!

                                            FRANCISCO BARROSO

5 de março de 2012

Jônatas Batista (Vida e sonetos)


JÔNATAS BATISTA
Um dos dez fundadores da Academia Piauiense de Letras. Foi poeta, teatrólogo, jornalista e conferencista. Nasceu no povoado Natal, hoje, município de Monsenhor Gil em dezoito de abril de 1885. Foi autodidata, pouco frequentou a escola por necessidade de trabalhar, mas tinha o espírito das letras e se tornou uma das figuras célebres da intelectualidade piauiense.
Jônatas Batista foi importante para o desenvolvimento da cultura teatral em Teresina, escreveu diversas peças, quase todas apresentadas no teatro Quatro de Setembro, pertenceu à sociedade de Autores Teatrais do Rio de Janeiro.
Como poeta publicou SINCELOS (1908), ALMA SEM RUMO (1934) e diversas outras obras, incluindo inéditas. No livro Poesia e prosa feito através do Projeto Petrônio Portela em 1985, Celso Pinheiro Filho (biografia e sonetos em breve) reuniu uma coletânea de poemas, sonetos, peças teatrais e vários contos do ilustre poeta.
Olhando muitos de seus sonetos é visível uma atmosfera triste, sombria, saudosa e pessimista.

ALGUNS SONETOS

CONFORTO
Venho da pátria divinal do Sonho,
Onde impera vaidosa a fantasia;
Ouvi do amor, em êxtase, risonho,
A voz e o canto, a doce melodia.
Trago uma esperança

Vi castelos erguidos, e suponho
Que alí nunca se viu, nem se avalia
O que seja o pesar negro e tristonho,
Quando a crença vacila e se entibia!

Vi sorrisos gentis; vi maravilhas;
Vi da terra, feliz, formosas filhas,
E de tudo que vi tenho lembranças.

Volvo agora saudoso; mas que importa,
Se ainda trago comigo, e me conforta
Uma crença bem viva, uma Esperança!...


TERRA INFECUNDA 

Terra infecunda e má!...Terra doente e cansada, 
Sem gorjeio feliz, sem perfume e sem flor... 
Esquecida do céu, tristonha, abandonada, 
Sem carícias de luz, sem cantigas de amor. 

Terra no escuro pó sacudida e atirada, 
Num castigo brutal de impiedade e de horror... 
Terra sem fronde verde ou sombra alcatifada 
Onde repousa a fronte inquieto sonhador...

Onde campeia o mal, onde o bem não se aclima, 
Onde a crença pragueja, onde a maldade impera 
E a rasteira ambição tudo mata e dizima... 

Terra infecunda e má!...Se eu fosse Deus, faria 
Reflorir do teu seio a eterna primavera, 
No perpétuo esplendor da perpétua alegria!...

ESSA TERRA [infecunda] CORAÇÃO

AOS TRISTES

Escrevo para vós, almas tristes, vencidas,
Exaustas de sofrer e de viver cansadas;
Ermas de sonho e fé, sem destino, perdidas
Num pesadelo atroz de esperanças finadas.

São múrmuras canções; são rimas repetidas,
Pelas vozes do vento às praias atiradas...
Escrevo- as para vós, almas desiludidas,
Prisioneiras da sombra, eternas torturadas.

Para vós, para vós, ó corações descrentes!
Os versos que escrevi nas horas de amarguras,
Os versos que eu tracei, em trínulos gementes...

Fi- los por mim, por vós... Por todo aquele que erra,
Perdidamente, só, nas planícies escuras,
Pelas noites sem fim das vastidões da terra...


PARA VENCER

Homem, fito de frente o rosto da desgraça
E não me acurvo nunca aos embates da sorte.
Enfrento, sem temor, o temporal que passa,
Sorrindo com prazer dos esgares da morte.

Aprumo- me no solo em destemido porte,
Sem desmentir jamais as tradições da raça...
Arrojo- me, sem medo, ao mais rijo, ao mais forte,
Envolto o veja, embora, em rígida couraça.

Volto agora cansado e exangue...
Para que o mal de crer duro me puna,
Rebenta-se-me o peito em fel e em sangue...

Consola- me dos fados a clemência:
- Se me encontro mais pobre de fortuna,
Muito mais rico sou de experiência.


O QUE SE PODE TIRAR DAS BATALHAS ???















2 de março de 2012

Altevir Alencar (Vida e sonetos)




ALTEVIR Soares ALENCAR é professor de Português e Literatura, advogado, jornalista, filósofo, poeta e cronista. Possui bacharelado em Direito, Mestrado em Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Seu valor intelectual é reconhecido tanto no lugar onde nasceu (Alto Longá- Piauí) quanto fora. Pertence à Academia Sul- mato- grossense de Letras, ao Clube de Poesia de Recife, à Academia de Letras do Longá e a Academia Piauiense de Letras.
O contato que eu tive com esse poeta foi olhando as estantes da Literatura Piauiense na Biblioteca Geral da UFPI e achando seu livro ‘‘ Livro de Sonetos ’’ que por sinal é um livro muito rico na simplicidade, talvez como o próprio poeta, mas de um conteúdo sentimental profundo e exato. Seus sonetos quando declamado são como melodias. Sinto-me alegre por ter encontrado alguém ainda vivo, que produza sonetos tão bem, e que pertença a esse estado.
Altevir Alencar é autor de Sonho e       Realidade (1956); Eterno Crepúsculo (1961); Poemas da Solidão (1967); Poemas Para Quem Sabe Amar (1968); Dentro De Mim (1971); Êxtase (1973); Livro de Sonetos (1988) etc.

ALGUNS SONETOS


PORTA DA GLÓRA

Os anos são degraus. A vida é a escada.
Longa ou breve, só Deus pode medi-la.
Degraus de escada íngreme que oscila
Segundo os ventos do Destino. E cada

Um dos que um dia tentam a escalada,
Vai por necessidade de subi-la.
Uns sobem mais, outros não sobem nada:
Um treme, um pende, um cai, um se aniquila.

Há bem no topo dessa escada incerta
A porta ansiosamente desejada,
Vista de longe, oculta, descoberta.

Estanha porta de ouro, atra e pesada:
Para os que nunca a alcançam, vive aberta:
Para os que chegam perto...está fechada.

ESCREVENDO

Há tanto tempo não escrevo um verso
Que ate supunha andar por outras vidas,
Que meu sonho de poeta estava imerso
No silencio das coisas esquecidas...

Que as desbotadas páginas perdidas
Do velho livro no passado adverso
Estavam mortas vendo as renascidas;
Presinto o olhar em lagrimas imerso.

Fique gravada neste seu caderno
- Já que ser poeta é ter um sonho eterno-
A eternidade do meu poema,amiga!

Porém, só vejo nesta ultima prova,
Em cada rima uma tristeza nova...
Em cada verso uma tristeza antiga.

QUANDO PARTI

Quando parti, tudo chorava. A lua
Entre os véus da neblina se escondia.
Nada levei da vida a face nua,
Sem lar, sem paz, sem luz, sem fé, sem dia.

Pranto nos olhos cheios de agonia.
E no silencio cruel da mesma rua,
Era de ver minh’alma humilde e fria,
Exausta de sofrer, fugindo á tua.

Quando parti, o inverno se agitava.
E ao longo do caminho que trilhava
Fui desfolhando os sonhos imortais.

Levava apenas minha mocidade,
Uma oração, um poema, uma saudade,
As letras do alfabeto... e nada mais.

QUANDO VOLTEI

Quando voltei,era mês de agosto.
O tempo transmudara o mundo e a vida,
A tarde morta, as sombras do sol-posto:
Tudo chorava uma ilusão perdida.

Vim da longa jornada_ave caída
Nos matagais escuros do desgosto_,
Tinha no olhar uma expressão dorida
Amortalhando as rugas do meu rosto.

Quando voltei,também voltava o outono.
E pela mesma estrada do abandono
Perdi meus versos tão sentimentais.

Trazia apenas lagrimas tardias,
O coração descrente,as mãos vazias,
Um soluço partido...e nada mais.


ALENCAR, Altevir. Livro de sonetos. EDUFPI: Academia de Letras do Vale do Longá, 1996